10 setembro 2012

Os Brasis e suas representações para o Mundo


Fico imaginando a trabalheira que deve ser resumir o que é o Brasil, só pra inglês ver, literalmente, em apenas cinco minutos. O pior é que a organização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro não teve que fazer isso uma, mas sim duas vezes: no encerramento das Olimpíadas em agosto e menos de um mês depois no fechamento das Paraolimpíadas (que aqui no ETVC eu me recuso a escrever sem o “o”).

Frente a tamanho desafio, é impossível agradar a todos. O resultado no encerramento das Olimpíadas foi uma mistura de clichês (baianas, carnaval, Bossa Nova, índios) com símbolos nem tão pops assim, como Simonal e a Nação Zumbi - destaque e estrelinhas para esse último, porque CHICO SCIENSE sabia das coisas, mas isso fica para outro post.

Demorei dois parágrafos para chegar onde eu queria: analisar os cinco minutos da demonstração de “mundo, isso é o Brasil” no finalzinho do encerramento das Paraolimpíadas de Londres. O vídeo está aí embaixo para quem quiser ir assistindo para acompanhar o meu raciocínio.


Me emocionei demais quando assisti essas apresentações, mais do que com a menção a Sciense um mês atrás. Depois que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, recebeu a bandeira dos Jogos, a festa começou. Aviso: vou me atropelar neste relato com um distanciamento que aprendi nas aulas de Cultura Brasileira (beijo Ju – minha professora) e com um nacionalismo que eu teimo em camuflar, mas que sempre aparece.

A festa brazuca começou mergulhada no conceito “Alegria” e no videozinho com cenas da cidade. De volta ao estádio olímpico, rola uma um funk carioca ritmado com uma letra que não faz sentido pra mim, imagina para os britânicos. Mas dura pouco. Neste momento, CARLINHOS BROWN entra no palco acompanhado de músicos – portadores de deficiência física – vestindo roupas semelhantes a do Olodum.

Brown é o de sempre. Ele dubla “Mega Lenha” e veste roupa branca com um cocar na cabeça. Fico pensando que os gringos devem achar que ele se fantasiou assim só pra participar da cerimônia. Coitadinhos, não manjam nada deste baiano arretado e animado, que durante a apresentação, do nada, é interrompido pelos PARALAMAS DO SUCESSO.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, recebe a bandeira dos Jogos do presidente do Comitê Paralímpico Internacional
Nesse momento aplaudo de pé os organizadores que tiveram essa sacada. Hebert Viana ficou paraplégico depois de um acidente com o seu ultraleve, e junto com a sua banda representou não só os portadores de deficiência motora, mas também o ROCK’N ROLL brasileiro. Claro, que frente ao cânone britânico do estilo ele se apequena, mas, é preciso gritar ao mundo que ele existe (embora concorde que a batida animada de “A Brasileira” certamente não fará os gringos identificarem aquilo como rock...).

Hebert, Bi, João Barone e as dançarinas de frevo (?) que se apresentavam durante a execução de “A Brasileira” – que tem tudo a ver com a ocasião, por sinal - são substituídos por dançarinas de balé e de capoeira. Ai vem a parte questionável dos cinco minutos de show. Vamos lá.

Carlinhos Brown volta ao palco acompanhado da cantora Thalma de Freitas... vestida de Carmem Miranda. Sem as frutas na cabeça, é verdade, mas claramente representando a cantora portuguesa criada para ser um “símbolo nacional”. Eles cantam Caetano Veloso. Uma baianidade só. Caê, Thalma e Carlinhos. Lindo. Pergunto: PRA QUE EVOCAR CARMEM MIRANDA?

Sob o comando de Thalma de Freitas (roupa colorida) e Carlinhos Brown, á esquerda, 'brasileiros' celebram os Jogos
Sim, ela foi um símbolo brasileiro internacional, mas isso faz décadas. Quantas mil outras referências não poderiam ter sido feitas. Se eu começar o papo sobre o simbolismo dela e tal (mais um beijo, Ju) vou acabar me irritando, então, vou pular para as considerações finais – emocionada de novo por ter visto de novo os Paralamas tocando no vídeo -, ok?

Aqueles cinco minutos não são o Brasil. Nem o das Olimpíadas eram. Nem se juntássemos as duas apresentações, os 10 minutos não o seriam. No entanto, o são também. Não vai dar pra definir o que é Brasil, nunca. É preciso vir aqui sentir o sol quente, a água salgada dos mares, a poluição paulistana, o trânsito, o rap, o forró, o reggae e blábláblá. Se cada um dos brasileiros editasse um vídeo de cinco minutos, seria um vídeo diferente para cada.

Sou contra a Copa e as Olimpíadas aqui. Acho absurdo. Mas já que está decidido, agora é olhar pra frente, fiscalizar os gastos públicos e torcer pra dar certo. Porque às vezes – cada vez mais raramente, é verdade – eu me pego a maior das ufanistas, concordando com Afondo Celso sobre o Brasil ser o país do futuro. Mas com uma diferente: eu sei que esse futuro está cada vez mais perto.
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04 junho 2012

Tributo à Legião


- Você pagou para ver o Wagner Moura desafinar? Eu assisti de graça pela TV.
- Pois é, e eu vivi.

Um amigo fez o comentário acima quando descobriu que eu fui uma das oito mil pessoas que compareceram ao Espaço das Américas para acompanhar o segundo show do Tributo à Legião Urbana, organizado pela MTV e que, além de Dado Villa-Lobos na guitarra e Marcelo Bonfa na bateria, contou com o convidado Wagner Moura nos vocais.

Entendo que para quem está olhando de fora as desafinadas do ator devem ter incomodado bastante. Quando digo “quem está olhando de fora” não estou me referindo a quem não esteve no show, mas sim aos que não entenderam o que aquele tributo significou: uma homenagem de fãs a uma banda cujas letras os acompanharam, e acompanham, por toda a vida.

Divulgação/MTV
"A verdadeira Legião Urbana são vocês" (Renato Russo)
Como eu sempre digo, as letras de Renato Russo fazem parte da trilha sonora de diversos momentos da minha vida, e todos eles me passaram pela cabeça durante o show. Essa é uma das coisas que quem está de fora nunca vai conseguir entender. Outra delas é a emoção de ver Dado e Bonfa, que há anos decoram o meu quarto ao lado de Renato, juntos no palco.

Cada música tocada era uma viagem pessoal dos quatro aos meus 21 anos de idade, com direito a lembranças de lugares, pessoas e amores. A penúltima da setlist original, “Pais e Filhos”, foi o ápice da minha emoção. Mas uma grande surpresa ainda estava por vir.

Eu nunca tinha imaginado cantar Faroeste Caboclo em um show. Com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfa no palco, então, era surreal demais para que um dia sequer passasse pela minha cabeça. E inacreditavelmente aconteceu. Alguns dos nove dos minutos mais emocionantes da minha vida.

Quando a plateia começou sozinha a contar a história de João de Santo Cristo, no intervalo, eu já achei sensacional, mas a iniciativa parecia não ter sensibilizado os músicos, que continuavam seguindo o script. No final, quando Wagner Moura chamou os dois legionários de lado e Dado dedilhou os primeiros acordes na guitarra, meu coração disparou.

Não chorei, mas agora tenho vontade todas as vezes que eu lembro. Não chorei, mas fiquei arrepiada durante os nove minutos e cantei forte, alto, com o coração. Uma das minhas músicas preferidas desde os quatro anos de idade lavou a alma da plateia, do tributo e de Wagner Moura, que deu vida à história do sertanejo que tentou ganhar a vida na capital federal.

Eu poderia gravar aquela propaganda de cartão de crédito, cujo slogan é “não tem preço”, falando desse show. Mas ainda assim não conseguiria explicar a importância para os que estão de fora. Afinal, eu não assisti ao show, eu vivi.



20 maio 2012

O troco do assalto

História verídica, mas emprestada do amigo Rodrigo Russo.

Era por volta das seis horas da tarde de um sábado e eu percorria a distância de quatro quarteirões que separavam o local onde estava sendo realizada a Feira do Livro de Suzano, que eu acabara de visitar, e a estação de trem mais próxima. 

O crepúsculo já se acentuava e o céu estava tingido de um laranja que parecia colorir as minhas lembranças do evento, marcado pela palestra e pela conversa com o jornalista Heródoto Barbeiro, com direito à foto de recordação, quando fui surpreendia por um “psiu” masculino vindo detrás de mim, meio à direita da calçada por onde eu andava.

Não olhei, seguindo o padrão estabelecido para evitar espertalhões ou cantadas ridículas. Não olhei, mas o coração disparou. Embora eu já estivesse próxima à estação, o caminho era ermo, e, por isso, a insegurança passou a tomar conta de mim. O “psiu”, antes distante, se aproximou e quando eu percebi, um rapaz de cerca de vinte e cinco anos, moreno e de cabelos pretos estava ao meu lado anunciando um assalto.

- Escuta aqui, eu acabei de sair da cadeia, não quero confusão. Eu tô armado, mas espero não precisar usar com você. Eu já abordei um cara ali em cima que me deu problema. Só quero saber: Quanto você tem na carteira?

Ele disse tudo isso antes mesmo que eu tivesse me recuperado do susto. Agindo por impulso, coloquei as sacolas com os livros recém-adquiridos no chão e peguei a carteira no bolso interno da minha bolsa. Tirei de lá todo o conteúdo: quarenta reais divididos em uma cédula de vinte e duas de dez e passei imediatamente para ele.

O assaltante pegou as notas na mão e passou a me observar guardando novamente a carteira na bolsa e ajeitando as sacolas caídas no chão. Foi então que, para a minha total surpresa, ele acrescentou:

- Nossa, quanta sacola. Você tem jeito de ser estudiosa e deve precisar de dinheiro pra chegar em casa. Você vai pegar o trem? De quanto precisa pra voltar?

Entrada principal do Salão do Livro de Suzano
(Crédito: Rodrigo Russo)
Respondi, sem saber onde aquela conversa me levaria, o primeiro valor que me veio à cabeça.

- Cinco reais

O ladrão então tirou um maço de reais do bolso e contou o dinheiro, passando as notas da mesma forma que fazem os caixas nas agências bancárias.

- Não tenho nenhuma nota de cinco. Vamos ali na padaria para eu trocar pra você

Hesitei. Para chegar à padaria eu precisaria retornar alguns metros na rua, ficando ainda mais distante da estação. Ele percebeu a minha cautela.

- Qual é, mina, você acha mesmo que eu vou te sacanear agora?

Sim, eu achava, afinal, ele era um criminoso, mas preferi não prosseguir a discussão e apenas o acompanhei. Ele entrou no local, foi direto ao caixa, deu uma nota de dez reais, provavelmente a mesma que minutos antes estava quentinha na minha carteira, e recebeu duas notas de cinco. Uma ele guardou no bolso e a outra ele me mostrou, com um sorriso nos lábios.

- Tá aqui, mina, vai com Deus. Agora está tudo certo entre a gente, né? - ele disse ao me entregar a nota roxinha.

O sorriso, que normalmente não sai do meu rosto, foi espontâneo e natural, um paradoxo ao que se passava na minha cabeça. Será que eu deveria agradecer por ter dinheiro pra voltar pra casa, ou lamentar pelos trinta e cinco reais perdidos?

O meu lado Poliana falou mais alto e eu preferi acreditar que os trinta e cinco reais, valor de um bom livro, não eram nada perto da história que eu acabara de viver e que talvez não encontrasse em livro algum.

12 fevereiro 2012

Ele merece todos os clichês. Gênio.

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Considero muito difícil a tarefa de falar sobre Machado de Assis sem cair no clichê de chamá-lo de gênio, de classificar a sua obra incrível ou colocá-lo no top três dos escritores brasileiros. Entretanto, tenho a obrigação de reverenciá-lo, não só como leitora, mas, principalmente, como pessoa que escreve.

A escolha de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” para a lista de leituras obrigatórias para a FUVEST 2013 me despertou o interesse em reler a obra. Comprei o livro e descobri que na verdade eu não o tinha lido por completo, ou se li, não guardei nada, porque a cada capítulo tive uma surpresa diferente. Melhor assim.


"Colega", Machado de Assis trabalhou nos principais
jornais brasileiros entre os séculos XIX e XX

Como apreciadora das figuras de linguagem, me deliciei com expressões como “dente do ciúme”, “diabrete angélico” e “a morte que batia a asa eterna”, entre outras, que apareceram entre as 209 páginas. 

Normalmente não concordo com citações fora de contexto, acho que perdem a força, sobretudo se tratando de prosa, mas separei algumas passagens do livro que me chamaram a atenção e que servem para dividir com vocês a genialidade de Joaquim Maria Machado de Assis:
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  • “Gastei trinta dias para ir do Rossio Grande ao coração de Marcela, não já cavalgando o corcel do cego desejo, mas o asno da paciência, a um tempo manhoso e teimoso”. (Capítulo 15).
  • “Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes”. (Capítulo 27).
  • “A razão não podia ser outra senão o momento oportuno. Não era oportuno o primeiro momento, porque se nenhum de nós estava verde para o amor, ambos o estávamos para o nosso amor, distinção fundamental. Não há amor possível sem a oportunidade dos sujeitos” (Capítulo 56).
  • “Crê em ti, mas nem sempre duvides dos outros” (Capítulo 119).
Pra finalizar, admirei todos os pensamentos e conclusões geniais do escritor escondidas por trás do defunto-escritor e que, ainda hoje, 130 anos depois, podem ser observados no nosso cotidiano.

Porque eu duvido que alguém nunca tenha sentido o pensamento pular de um lado para outro que nem peteca ou que não tenha se rendido, ao menos uma vez, à filosofia das folhas velhas.
 
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08 janeiro 2012

Metonímia sociológica

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...são estratégias que o escritor pode aplicar no texto para conseguir um efeito determinado na interpretação do leitor...

Se a vida fosse uma prova de português, muita gente ficaria com zero nesta questão. O uso errado de uma figura de linguagem pode causar falhas que prejudicarão a interpretação correta do texto. 

Aqui temos texto como uma sequência de palavras – ou de atos expressos em palavras – que podem ser entendidos por um determinado grupo de pessoas em uma situação específica. 

No texto ao qual me refiro nas entrelinhas, uma sinédoque foi utilizada inadequada e equivocadamente. Admito que o uso da metonímia na vida pode facilitar a nossa relação com as pessoas, principalmente em relação à assimilação e aproximação, mas é preciso ter cuidado. 

A sinédoque, como ramificação metonímica, pode causar julgamentos parciais e conduzir a conclusões inverídicas. Se anexa então a pessoas brincantes, as conquências podem ser ainda mais profundas e atingir níveis só contemplados antes na ficção, causando surpresa, perplexidade e, claro, irreverência.

Aliás, “diga-me com quem andas que eu te direi quem és” é um bom exemplo de sinédoque sociológica. Você é aquilo que todos os com quem você anda são – a parte pelo todo (ou o todo pela parte).

Atenção: Antes de dizer quem é pelo simples julgamento de com quem anda, é imprescindível que investiguemos se, de fato, os caminhos por onde andam são os mesmos.

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