20 maio 2012

O troco do assalto

História verídica, mas emprestada do amigo Rodrigo Russo.

Era por volta das seis horas da tarde de um sábado e eu percorria a distância de quatro quarteirões que separavam o local onde estava sendo realizada a Feira do Livro de Suzano, que eu acabara de visitar, e a estação de trem mais próxima. 

O crepúsculo já se acentuava e o céu estava tingido de um laranja que parecia colorir as minhas lembranças do evento, marcado pela palestra e pela conversa com o jornalista Heródoto Barbeiro, com direito à foto de recordação, quando fui surpreendia por um “psiu” masculino vindo detrás de mim, meio à direita da calçada por onde eu andava.

Não olhei, seguindo o padrão estabelecido para evitar espertalhões ou cantadas ridículas. Não olhei, mas o coração disparou. Embora eu já estivesse próxima à estação, o caminho era ermo, e, por isso, a insegurança passou a tomar conta de mim. O “psiu”, antes distante, se aproximou e quando eu percebi, um rapaz de cerca de vinte e cinco anos, moreno e de cabelos pretos estava ao meu lado anunciando um assalto.

- Escuta aqui, eu acabei de sair da cadeia, não quero confusão. Eu tô armado, mas espero não precisar usar com você. Eu já abordei um cara ali em cima que me deu problema. Só quero saber: Quanto você tem na carteira?

Ele disse tudo isso antes mesmo que eu tivesse me recuperado do susto. Agindo por impulso, coloquei as sacolas com os livros recém-adquiridos no chão e peguei a carteira no bolso interno da minha bolsa. Tirei de lá todo o conteúdo: quarenta reais divididos em uma cédula de vinte e duas de dez e passei imediatamente para ele.

O assaltante pegou as notas na mão e passou a me observar guardando novamente a carteira na bolsa e ajeitando as sacolas caídas no chão. Foi então que, para a minha total surpresa, ele acrescentou:

- Nossa, quanta sacola. Você tem jeito de ser estudiosa e deve precisar de dinheiro pra chegar em casa. Você vai pegar o trem? De quanto precisa pra voltar?

Entrada principal do Salão do Livro de Suzano
(Crédito: Rodrigo Russo)
Respondi, sem saber onde aquela conversa me levaria, o primeiro valor que me veio à cabeça.

- Cinco reais

O ladrão então tirou um maço de reais do bolso e contou o dinheiro, passando as notas da mesma forma que fazem os caixas nas agências bancárias.

- Não tenho nenhuma nota de cinco. Vamos ali na padaria para eu trocar pra você

Hesitei. Para chegar à padaria eu precisaria retornar alguns metros na rua, ficando ainda mais distante da estação. Ele percebeu a minha cautela.

- Qual é, mina, você acha mesmo que eu vou te sacanear agora?

Sim, eu achava, afinal, ele era um criminoso, mas preferi não prosseguir a discussão e apenas o acompanhei. Ele entrou no local, foi direto ao caixa, deu uma nota de dez reais, provavelmente a mesma que minutos antes estava quentinha na minha carteira, e recebeu duas notas de cinco. Uma ele guardou no bolso e a outra ele me mostrou, com um sorriso nos lábios.

- Tá aqui, mina, vai com Deus. Agora está tudo certo entre a gente, né? - ele disse ao me entregar a nota roxinha.

O sorriso, que normalmente não sai do meu rosto, foi espontâneo e natural, um paradoxo ao que se passava na minha cabeça. Será que eu deveria agradecer por ter dinheiro pra voltar pra casa, ou lamentar pelos trinta e cinco reais perdidos?

O meu lado Poliana falou mais alto e eu preferi acreditar que os trinta e cinco reais, valor de um bom livro, não eram nada perto da história que eu acabara de viver e que talvez não encontrasse em livro algum.